Luxação do Ombro
Leonardo Cavinatto
O que é Luxação ou Deslocamento do Ombro?
Luxação de uma maneira geral é definida como a perda do contato entre os dois ossos que compõe uma articulação, ou seja, quando esse ossos são separados um em relação ao outro. No caso do ombro, a luxação ocorre quando a cabeça do úmero se desloca em relação à cavidade da glenóide; em outras palavras, é quando o ombro “sai do lugar”.
Como ocorre a luxação do ombro e quais são os sintomas?
Na grande maioria das vezes, a luxação acontece em decorrência de um acidente ou de um evento traumático, podendo também, em uma menor porcentagem de casos, ser oriunda de eventos atraumáticos. No casos das luxações de ombro traumáticas, a luxação ocorre pois a energia do trauma ou do acidente supera a ação das estruturas estabilizadoras do ombro, àquelas que mantém a articulação do ombro no lugar. Estas estruturas são principalmente: os ligamentos glenoumerais, a cápsula articular, o lábio da glenóide e os músculos do manguito rotador.
O que acontece quando o ombro é luxado e quais são as consequências da luxação?
Quando o ombro é luxado, invariavelmente, ocorre lesão ou estiramento de uma ou mais das estruturas estabilizadoras do ombro. Quase sempre, ocorre lesão na cápsula articular, do lábio da glenóide e em pelo menos um dos ligamentos glenoumerais. Quando o ombro desloca, a cabeça do úmero (que é formada por osso de consistência mais mole) impacta na borda da glenóide (que é formada por osso de consistência mais dura), fazendo com que a cabeça umeral fique "amassada" ou "impactada") ao entrar em contato com a glenóide. Esta lesão por compressão é chamada de lesão de Hill-Sacks, e está presente em quase todos os ombros luxaram ou deslocaram, inclusive os ombros com somente 1 episódio de luxação.
As estruturas lesionadas em decorrência da luxação, infelizmente, não cicatrizam ou cicatrizam de uma maneira incorreta em grande parte das vezes. Quando isto acontece, os demais mecanismos estabilizadores do ombro podem não ser mais suficientes para manter o ombro no lugar em todas as posições do braço, e o paciente passa a ter episódios recorrentes de luxação. Nestes casos, se diz que o paciente tem "luxações reicidivantes do ombro", "instabilidade do ombro" ou "instabilidade glenoumeral”.
Ainda, embora com menor frequência, podem ocorrer outras lesões associadas, dentre elas: lesões nos tendões do manguito rotador; lesões neurológicas (dos nervos); lesões vasculares (dos vasos sanguíneos) ou fraturas associadas. Tais lesões ocorrem mais frequentemente em pacientes com mais idade, àqueles com mais de 40 ou 50 anos.
Qual o tratamento imediato após a luxação ou deslocamento do ombro?
Logo após o ombro sair do lugar, o objetivo imediato é a redução, isto é: reestabelecer o contato articular, recolocando-o de volta no lugar. Em alguns casos, o ombro volta ao lugar espontaneamente, mas em grande parte das vezes, para que a isso aconteça, é necessária alguma manobra ortopédica.
A redução preferencialmente deve ser feita por um médico em um ambiente hospitalar, após uma avaliação clínica e radiográfica. Após o ombro voltar no lugar, novas radiografias devem ser feitas para confirmar que foi reestabelecido o contato articular e para identificar possíveis fraturas associadas.
Depois de um episódio de deslocamento do ombro, o paciente deve ser imobilizado com uma tipóia pelo tempo determinado pelo médico, a depender de sua idade e da gravidade da lesão. Além disso, para avaliar as estruturas lesadas em decorrência da luxação e identificar possíveis lesões associadas, é frequentemente solicitado um exame de imagem complementar, que normalmente é a ressonância ou a artroressonância magnética. A diferença entre estes dois exames está no fato de que na artroressonância, um meio de contraste é injetado no espaço intraarticular, a fim de que a anatomia possa ser melhor visualizada.
Quando está indicado e em que consiste o tratamento não cirúrgico (conservador) ?
Sempre que possível é tentado o tratamento não cirúrgico. Ele normalmente é indicado para pacientes com menor demanda funcional, pacientes idosos, pacientes com risco cirúrgico elevado e àqueles que tiveram apenas 1 episódio de luxação, salvo em praticantes de atividades esportivas de alta performance.
O tratamento conservador consiste inicialmente em analgésicos, antiinflamatórios, repouso e evitar posições que propiciem novas luxações. Na fase inicial, se tem como objetivos diminuir a dor e a inflamação, e esperar que ocorra a cicatrização das estruturas lesadas. Esta primeira fase dura por volta de três semanas. A segunda fase do tratamento conservador visa a restabelecer a amplitude dos movimentos e a mobilidade da articulação, o que é obtido através de exercícios de alongamento. A terceira e última fase é a do fortalecimento muscular. Através do fortalecimento muscular, tenta-se maximizar a ação dos músculos na função estabilizadora do ombro (principalmente os músculos do manguito rotador), a fim de se tentar compensar a função das estruturas que foram lesados no evento da luxação do ombro. Todo esse processo de reabilitação, envolvendo as 3 fases do tratamento, tem duração de 3 a 4 meses. Infelizmente, isso não é conseguido em grande parte das vezes, em especial nos pacientes mais jovens, e torna-se necessário o tratamento cirúrgico.
Exercícios de fortalecimento do ombro. a) fortalecimento dos roteadores internos do manguito rotador; b) fortalecimento dos roteadores externos do manguito rotador e; c) fortalecimento do deltóide anterior.
Quando está indicado e no que consiste a o tratamento cirúrgico?
O tratamento cirúrgico está indicado quando não há sucesso com o tratamento conservador, quando já ocorreram 2 ou mais episódios de luxação do ombro, quando o paciente se priva se realizar movimentos ou posições com o braço com receio de que ocorra um novo episódio de luxação, ou quando ocorrem lesões associadas que necessitem de tratamento cirúrgico (como lesões do manguito rotador).
Também está indicada a cirurgia nos atletas e esportistas logo após o primeiro episódio de luxação do ombro, desde que não estejam no final do calendário esportivo. Isto porque, em especial nos indivíduos deste grupo, tenta-se evitar o investimento de uma reabilitação longa (3 a 4 meses fora do esporte) em um tratamento que tem baixo índice de sucesso. Por isso, parte-se diretamente para o tratamento cirúrgico, que em geral tem resultados superiores e muito mais confiáveis.
A cirurgia para o tratamento da luxação do ombro, salvo quando acompanhado de um grande desgaste ósseo (o que ocorre na minoria dos casos), é a artrosocopia. Nesta técnica minimamente invasiva, o ombro é abordado através de 3 incisões de 1 a 2 cm , nas quais são introduzidos uma câmera de 4,5mm de diâmetro e instrumentos delicados para a realização da cirurgia.
Na artrosocopia do ombro, é realizado o reparo das estruturas lesadas através de âncoras de sutura absorvíveis, que são implantes absorvíveis pelo corpo que se fixam ao osso e que tem fios de sutura nele inseridos, a fim de que seja possível a realização de pontos cirúrgicos e sejam reparados os tecidos previamente lesados (vem imagem abaixo).
Com a reinserção do lábio da glenóide e o retensionamento da cápsula articular, se reestabelecem os mecanismos estabilizadores que haviam se perdido no evento da luxação. A cirurgia costuma ter grande índice de sucesso, apresentando em média 95% de efetividade. (ver vídeo explicativo abaixo)
Como é a recuperação e a reabilitação após a cirurgia?
Se por um lado a cirurgia é um procedimento simples e efetivo, durando na maioria das vezes menos de 1 hora, a recuperação e a reabilitação costumam não ser. Após a cirurgia, o paciente precisa ficar com tipóia por pelo menos 4 semanas, a fim de que as estruturas que foram reparadas na cirurgia tenham tempo de cicatrizar. A cicatrização do lábio e da cáspula no osso é um processo biológico que leva tempo para ocorrer. Não usar a tipóia por este período coloca em risco a cicatrização e consequentemente a cirurgia. Atualmente, não existem técnicas ou medicamentos que possam abreviar este período de cicatrização.
Após um período de em média 4 semanas imobilizado, o paciente começa uma reabilitação, seguindo os mesmos princípios do tratamento conservador (não cirúrgico). Primeiramente, ganha-se mobilidade e amplitude de movimento no ombro para posteriormente prosseguir com o fortalecimento muscular. O paciente normalmente tem o retorno às atividades normais e esportivas por volta de 5 meses após a realização da cirurgia.
O que acontece quando ocorrem diversos episódios de luxação?
Quando o ombro sai do lugar por diversas vezes e nenhum tratamento é feito, a porção anterior (parte da frente) do osso da glenóide vai gradativamente sendo desgastado. Com isso, novos episódios de luxação tornam-se cada vez mais fáceis de ocorrer, uma vez que um outro mecanismo estabilizador do ombro, a estrutura óssea, é perdido. Quando o desgaste da glenóide atinge mais que 25 a 30%, a cirurgia por artroscopia não mais atinge resultados satisfatórios . Nestes casos, um outro procedimento cirúrgico, realizado por via aberta, faz-se necessário. É a cirurgia de Bristow-Latarjet, na qual um enxerto ósseo proveniente da escápula do próprio paciente é utilizado para corrigir o defeito ósseo da parte anterior da glenóide. Nesta cirurgia, o enxerto é fixado à glenóide através de parafusos metálicos. Esta cirurgia, apesar de apresentar índices de complicações maiores que na artrosocopia de ombro, também costuma evoluir com excelentes resultados.